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Amores Perversos

             

 

Amores Perversos

 

Sabe aquele instante em que sentimos uma raiva muito grande, nem conseguimos raciocinar, temos ímpetos primitivos pra nossa legítima defesa? Aquele momento raro em que uma mulher pacifista se vê pronta a jogar uma lenha em brasa no rosto de seu parceiro?

 

O surto, digamos assim, começou enquanto eu preparava o almoço e organizava bagagens pra visitar minha mãe num hospital a quase 400 km de distância. Ele queria me fazer acreditar que eu já lhe havia prometido uma soma considerável de dinheiro pra época do mês, R$ 1.000,00. Aleguei que não tinha esse registro, no entanto iria verificar o saldo e tal.

 

Bebia cerveja e entrava na cozinha, com jeito ameaçador, inventando qualquer desculpa pra ter uma briga. Saímos, verifiquei o saldo bancário, peguei o dinheiro. Argumentei que naquele período eu não tinha possibilidades de fazer grandes despesas, que não poderíamos custear churrascos e tal, que o central era o problema de saúde de minha mãe.

 

Nossos quatro cachorros ficariam em casa por um período de dez dias mais ou menos. O vizinho do sítio faria a distribuição de comida e água pra eles. Fiquei por longo período elaborando a comida, pois acostumamos   comerem sempre uma mistura que eu preparava. E nessa tarde iria fazer a última panelada pra cobrir todo o período que ficaríamos fora. Preparei o fogo, iniciei o cozimento.

 

Chegou o vizinho, e ele explicava como servir e qual a quantidade de alimento pra cada um dos bichos, bem como, onde ficaria armazenada a comida e a ração. Acertavam detalhes.

 

 Segundo meu "companheiro", o vizinho ficou coçando a pica quando me viu e daí pra me acusar de adúltera foi um passe de mágica.

 

Chorei, me escondi dentro de casa, ele vinha atrás, obstruindo minha saída dos cômodos, barrando minha passagem. Ameaçando que iria chamar o vizinho pra acertar contas. A raiva e indignação me possuíam, me escondi num galpão. Ele pegou dinheiro e saiu, fiquei aliviada. Ainda soluçando, coloquei o cadeado no portão, esperando que não voltasse, a não ser na madrugada, o que seguidamente fazia.

 

Terminei de organizar minha bagagem, peguei os pequenos objetos de valor, juntei tudo que lembrava, até o ingresso pro show do Paul McCartney.

 

Anto, me enganara, ele voltou e queria continuar discutindo. Esbravejava que eu viajasse sozinha, que fosse embora. Fiquei muda. Aprendi que nessas horas quanto menos eu falasse, melhor seria. Só falei nessa noite, quando ele verbalizou que iria pedir DNA do filho mais velho, um homem de quase 40 anos. Perguntei-lhe que imagem própria tinha, pois todas as mulheres o traíam, desde a mãe de seus filhos.

 

Deitei, dormi mal e pouco, cuidando pra que ele não invadisse o quarto. Na madrugada ele queria vir pra cama, fiz menção de sair do quarto, ele voltou pra sala.

 

No outro dia cedo levantei e terminei de organizar minha viagem. Enquanto carregava o carro, ele foi se deitar no quarto. Comi qualquer coisa de desjejum. Do medo tirei a coragem, sob o olhar preocupado dos cachorros, tive ímpetos de levar todos comigo, quase chorando saí.

 

Abasteci o carro. Liguei o rádio e saí pra estrada. Abria os vidros quando alguma lágrima boba insistia em correr.

 

Parei num restaurante de beira de estrada. Fiz contato com meus irmãos. Continuei a viagem.

 

Minha mãe no hospital não estava bem, uma infecção respiratória. Fiquei acompanhando seu quadro de saúde e o meu também.

 

Refleti sobre minha vida, sobre as relações familiares, os homens carinhosos, as mulheres independentes, feito minha avó. O distanciamento me deu força pra tomar a decisão.

 

Conversei com minhas irmãs, meus irmãos, minhas cunhadas, meus filhos. Todos se ofereceram pro que eu precisasse.

 

Minha filha organizou aluguel de depósito pra colocar meus móveis e demais objetos não perecíveis. Contratou desmonte dos móveis e transporte pra mudança.

 

Por telefone ele ameaçava colocar fogo nas minhas coisas. Que havia feito Boletim de Ocorrência de meu desaparecimento.

 

Solicitei a um irmão meu, muito da paz e amigo do "companheiro", pra vir comigo conversar e começar a organizar a mudança.

 

Viemos num domingo. Ele quis argumentar que não era bem assim, poderíamos retomar, feito outras vezes. Acertei pra que saísse enquanto começávamos a organizar a mudança. Meu irmão dormiu na casa com ele e minha filha e eu fomos pra casa dela.

 

Na segunda-feira cedinho levei meu irmão na rodoviária, protocolei meu pedido de aposentadoria e voltei no sítio pra terminar de arrumar a mudança.

 

Quando chegamos, só minha filha e eu, ele se mostrou agressivo e violento. Chamamos a Brigada Militar. Muito bem preparados, fizeram boletim de ocorrência "Maria da Penha" e conseguiram persuadi-lo a sair e nos deixar retirar a mudança, com o trato de que poderíamos ficar somente até às 18h30min.

 

Não conseguimos carregar tudo no caminhão e precisamos voltar lá, já escurecendo. Foi um momento muito estressante, onde a qualquer segundo ele poderia chegar. Pegamos o que foi possível e saímos.

 

Saí triste, cansada. Deixei plantas, composteira, bichos e o sonho de ser feliz ao lado daquele "companheiro". Saí de uma relação perversa.     

 

               

 

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