Quantos a menos?
No colégio de periferia o guri é o mais indisciplinado, o não-aprendente, o repetente, o brigão. Três anos de classe especial, até a professora compreender o processo de construção de conhecimento do Lu. Deste ponto em diante, deslanchou, foi para a quarta série, sem outras reprovações.
Cada professora via naquele guri um desafio, desejando que aprendesse, se tornasse um bom cidadão, apesar dos palavrões, socos e pontapés desferidos quando tirado do sério. Até poderia se dizer “foi a persistência da professora em não permitir a evasão do aluno, o que de mais bonito aconteceu naquela escola”, usando as palavras de Célia Maciel, no comentário do filme chinês “Nenhum a menos”.
Irmão de cinco meninas, filho de rígido policial militar, ficou órfão de mãe.
Sumiu nosso “menino mau”. O que houve? alguém pode nos dar notícia dele? Soubemos da transferência para São Lourenço, casa de uma tia. Os motivos eram contados em segredo: o pai o expulsara de casa, pois ele molestara uma das irmãs.
Há alguns anos encontrei nosso Lu, agora cuidador de carros. Cumprimentei-o, contente em reencontrá-lo. Respondeu, também feliz.
Ano passado, cruzei por um morador da rua, mal vestido, mal cheiroso, descalço, jeito desconexo. Olhei bem, era o Lu. Cumprimentei-o, não respondeu. Isto se repetiu. Ficava com a impressão de ter recebido um olhar de reconhecimento, mas sua reação verbal não correspondia.
Poucos dias após ter assistido apresentação do filme “NENHUM A MENOS”, de Zhang Yimou e debate com as professoras Ana Cristina Delgado e Vânia Chaigar, durante as atividades do 4º Encontro Estadual Sobre o Poder Escolar, visualizo aquele ser deitado no calçadão da Sete. Com um sorriso, mostrando falhas de dentes, Lu me olha e diz: “Oh, Bebel!” Respondi perplexa, sem saber o que fazer. Como se do interior de seu mundo à margem, ele buscasse aquela compreensão da escola, de quando menino.
Lu, continua sendo nosso maior desafio não permitir que mais estudantes saiam do colégio antes de completar a educação básica (Delgado e Chaigar)! No entanto, a escola é tão menina nessa luta quixotesca!
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